terça-feira, 2 de novembro de 2010

Sindicalismo na Revolução de Abril. Um livro que se recomenda!


Chama-se Sindicalismo na Revolução de Abril. Foi publicado recentemente pelas Edições Avante! O seu autor é Américo Nunes.
Trata forma simples o papel do Movimento Sindical na Revolução de 25 de Abril de 1974.
É um material de grande interesse para se perceber a história recente do Movimento Sindical Unitário no nosso país.
Nele se fala da Revolução e da contra-revolução, da luta pela unidade sindical e das golpadas para o dividir, da construção de novas estruturas sindicais, como foi o caso dos Sindicatos do Operários Agrícolas.
Nele se fala de Homens de Alpiarça, como o Manuel Garriapa e o António Calarrão.
Vale a pena ler tudo.
Entretanto, aqui fica um pequeno excerto:

No dia 19 de Junho de 1974 é assinada em Beja pela comissão pró-sindicato deste distrito a primeira convenção colectiva de trabalho para os operários agrícolas depois do 25 de Abril. De âmbito concelhio, com vigência até 30 de Setembro de 1974, consagrava as três principais reivindicações dos trabalhadores: Aumentos salariais, fixação das oito horas de trabalho diário, pago a dobrar aos sábados e domingos, trabalho assegurado a todos os homens e todas as mulheres cabeças de casal durante todo o período de vigência da convenção e metade do período aos restantes trabalhadores desempregados. Idênticas convenções foram depois assinadas em 10 dos 14 concelhos do distrito.
A propósito da luta que levou a estes resultados, merece a pena ler a evocação de Álvaro Cunhal sobre um episódio passado em pleno Conselho de Ministros do I Governo Provisório, e que retrata bem a turbulência e instabilidade do poder, às vezes com um toque de burlesco, nestes tempos de revolução: “Spínola continuou a tentar impor-se como se tivesse plenos poderes. “Difícil é acreditar na fora como tratava o Governo. Dava ordens ao primeiro-ministro como se este fosse um soldado. Tinha uma linha telefónica directa e, em pleno Conselho de Ministros, chegavam ordens do Presidente da JSN. E que ordens!
“Vale a pena testemunhar com um exemplo:
“ O primeiro-ministro atende o telefone. Alarmado, informa o CM que o Presidente acaba de comunicar-lhe que é necessário tomar medidas imediatas contra dois perigosos agitadores que estão a perturbar a ordem pública no Alentejo. A ordem é específica. Os nomes dos agitadores são citados: José Soeiro e Júlio Martins.”
Álvaro Cunhal, presente como ministro sem pasta, lá explica que não se trata de perigosos agitadores mas de dois destacados militantes do PCP que actuam em defesa da liberdade e da democracia contra as provocações dos latifundiários.
E conclui, na sua evocação deste episódio: “ Não são tomadas as medidas repressivas reclamadas, mas Palma Carlos, sujeito à pressão brutal de Spínola, perde a compostura e a medida das coisas e, como de outras vezes, grita (isto em pleno Conselho de Ministros) que “não quer ser fuzilado” por não conseguir impor as ordens do Presidente.”
Foi no distrito de Beja que se formou o primeiro sindicato agrícola distrital, cujo primeiro presidente foi José Soeiro, quadro jovem e combativo que mais tarde viria a ser membro da Comissão Política do PCP e deputado à Assembleia da República.
Em 2 de Junho, por iniciativa do PCP, tinham-se reunido trabalhadores agrícolas de diversos concelhos do distrito no Centro de Trabalho do PCP em Beja, onde discutiram a organização do sindicato e decidiram em cada terra reuniões de trabalhadores para constituírem comissões pró-sindicato.
Dia 16 em nova reunião, já estiveram representantes de 28 terras do distrito. De entre eles foi eleito um secretariado pró-sindicato para dinamizar a acção noutras terras, constituído por José Soeiro, Manuel Godinho e Francisco Batista.
Processo idêntico se seguiu nos outros distritos do Alentejo e do Ribatejo, com o empenho de uma plêiade de militantes experimentados do PCP, de antes do 25 de Abril, em que se salientaram, entre outros, o Manuel Vicente, o António Ramos, o António Calarrão e o Manuel Garriapa Domingues.

Em Agosto participa pela primeira vez num plenário da Intersindical um sindicato agrícola, o de Santarém. Todos se filiaram a breve trecho na central sindical.
Foi o Manuel Garriapa a quem ouvi uma história que ilustra como preconceitos ancestrais contribuem para a discriminação laboral das mulheres no trabalho. Contou-me ele:
“Na raspa da vinha, em Santarém, as mulheres ganhavam pouco mais de metade que o salário dos homens, e era evidente que elas trabalhavam tanto e tão bem como os homens. Daí que nos lembrássemos de reivindicar o mesmo salário pelo mesmo trabalho para elas. Foi o cabo dos trabalhos! Eles não queriam que as mulheres, muitas delas as própria esposas, fossem mais aumentadas do que eles, e passassem a ganhar o mesmo. Diziam coisas do género”então eu estou lá para chagar a casa e encontrar lá uma mulher que ganha tanto como eu? Não estou para me sujeitar a tal vergonha.”
O Garriapa todavia não desistiu. Um dia, foi com um rancho para o trabalho, convenceu-os a formarem grupos de homens e mulheres em número igual, dividiu a vinha em leiras iguais, e convenceu-os a trabalharem normalmente durante um dia. Conclusão: Ao fim do dia, as mulheres tinham trabalhado um bocado de terreno maior que o dos homens. O Garriapa atribuía o feito ao facto de os homens pararem para fumar e para beberem uns tragos do garrafão de vinho que o patrão lhes fornecia todos os dias. A custo lá os convenceu a aceitar o princípio de trabalho igual, salário igual.
Estes homens lideraram a construção colectiva dos seus sindicatos, e ali levaram a cabo um trabalho extraordinário que a partir do final de 1974, e durante os anos de 1975 e seguintes, se traduziu também na direcção da luta de massas que impôs a liquidação dos latifúndios e a Reforma Agrária nos campos do Alentejo e do Ribatejo.
…/…
Do tempo dos fortes e revolucionários sindicatos agrícolas do Alentejo e do Ribatejo perduram no entanto direitos fundamentais como o direito à contratação colectiva e o direito ao regime geral da segurança social.
Perdura sobretudo a conquista da cidadania dos trabalhadores agrícolas que o regime fascista sempre lhes havia sonegado.

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