sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Histórias de vida (5)


(Por Américo Abalada)

9 - Segunda prisão (16-11-1959 a 02-04-1960)
Quando tinha seis anos da minha tenra idade, lembro-me da segunda prisão do meu pai, a GNR bate a porta os meus pais levantam-se e a guarda diz ao meu pai que estava detido, de seguida revistaram a casa toda para ver se encontravam propaganda subversiva ao regime diziam eles, alguns panfletos de alguma greve ou o Avante, não encontraram nada, mas conseguiram acordar-me ao revolverem o colchão na procura, acordaram uma criança com seis anos, ao acordar vejo dois GNR de volta da minha cama com alguma agressividade, fiquei assustado e comecei a chorar.
Os meus pais lá me explicaram o que se estava a passar, e eu compreendi que ia ficar com a minha mãe e o meu pai ia preso, hoje já ia passar pela falta dele, que na primeira prisão era história para mim visto ainda não ser nascido, quando ele tinha sido preso pela primeira vez.
Realçar que a partir daquela data ainda fiquei com mais amores a GNR do que já tinha, a GNR ao sargento Pires e a PIDE. O sargento Pires ainda hoje figura de referencia e conceituada na nossa terra, de muita gente e o pior de camaradas meus do meu Partido, dão-lhe o bom dia e conversam com o senhor delicada e demoradamente. Este povo tem provas provadas que é de paz e tem civismo, até trata tão bem um homem que foi um seu carrasco, um autêntico agente da PIDE que prendia batia e torturava, aqueles que lutavam por melhores condições de vida e por fim de uma ditadura fascista que era a vergonha do país perante o mundo e a vergonha perante os seus cidadãos.
Não será necessário o senhor Joaquim Luís Rosa do Céu levantar tantos processos judiciais, a cidadãos desta terra e ainda andar com segurança pessoal, que o povo trata todos por igual, preservando com respeito os direitos o civismo e humanismo de cada um.

10 – A seguir a segunda prisão
Com o meu pai preso fiquei com a minha mãe, deprimido com algum medo de criança, a minha mãe era uma mulher um pouco fechada tristonha. Protegia-me muito, tinha muito medo da vida, tinha uma maneira de ser muito diferente do meu pai, e eu sofri um bocado com isso. Ainda hoje sinto que perante outros, altera-me muito mais o sistema nervoso do que é normal, a situação que passei foi muito traumatizante para uma criança de tenra idade.
Eu gostava de ter o meu pai como outra crianças mas era impossível, andava sempre a chatear a minha mãe porquê, o meu pai não vinha para casa, e cria que ele viesse, e tinha ataques de choro que a minha mãe não sabia o que fazer, a instabilidade emocional era constante e ganhava diversos medos, tinha pouca confiança nas pessoas passava fases que tudo me assustava.
Adiante, quando minha mãe ia visitar o meu pai a prisão eu ia sempre com ela e acompanhava todo o processo prisional que estava ao alcance dela.
Nesta fase comecei a perceber a solidariedade que existia com os presos políticos, existia um ou dois responsáveis em cada rancho que aos sábados quando recebiam a féria ou ordenado, no fim da semana de trabalho, que recebiam uma colecta de quem queria participar, que era distribuída pelas famílias dos presos políticos, para ajudar as famílias a andar com a vida para a frente, visto ficarem só com o salário da mulher quando o tinha. Esta solidariedade era um acto muito importante pelo dinheiro em si, mas a importância maior era o sentir da situação e o reforço da unidade dos trabalhadores.
O preso político era preso por ter actos de defesa no interesse de todos os trabalhadores, no aumento de salários e melhores condições de trabalho, por isso na sua prisão haver a reciprocidade no apoio dos trabalhadores a sua companheira, a luta continuava a ser de todos.
Começar a compreender esta vida com seis sete e oito anos de idade coloca-nos com alguma maturidade de analise, dizendo melhor é conhecer o miolo da situação.

11 - Continua a segunda prisão.
O meu pai teve preso quatro meses e dias, respondeu no tribunal da Boa-Hora em Lisboa sem culpa formada foi absolvido.
Era acusado de desobediência ao regime, grevista motivador de outros para greves, militante do Partido Comunista Português, que ainda não o era, entre outras, nada foi provado o juiz absolveu.
A minha mãe participou no julgamento, e eu como era menor não participei, tinha que ficar sentado num banco no corredor do tribunal a espera de minha mãe, eu não me lembro quem foi mas foram pessoas de Alpiarça assistir e outras testemunhas de defesa do meu pai. Era preciso ter coragem na altura para se ser testemunha de um preso político.
Quando havia a prisão os familiares não sabiam para onde levavam o preso, tínhamos de o procurar, no Aljube ou na sede da PIDE a António Maria Cardoso, por vezes ia-mos a um lado diziam que não estava, ia-mos a outro diziam que também não estava, na prisão estavam os primeiros quinze e vinte dias sem poderem ter visitas, era o período dos interrogatórios e as torturas, e o preso não estava em condições de o apresentarem a família que por vezes estava um pouco molestado. 

Lembro-me de ir com a minha mãe visitar o meu pai a cadeia do Aljube em Lisboa, entramos no hall onde estava um guarda assentado a uma secretária, depois ia-mos para a visita que era uma porta a esquerda, entravamos numa sala e o preso entrava noutra sala que tinha uma divisória com madeira até altura da cintura e para cima até o tecto tinha uma rede de malha fina ai com dois centímetros, depois existia um corredor com largura ai de um metro e vinte e outra divisória de rede do lado do preso, nós estávamos separados do preso pelo corredor e duas redes, nunca nos tocávamos nem beijávamos era a distancia, com um PIDE no meio do corredor sempre ao pé para ouvir tudo o que dizia-mos, as conversas que falávamos tinha que ser só da vida pessoal e pouco mais, o preso não podia falar das condições da prisão e da tortura, nem do comer se era bom ou mau nada, nos não podíamos falar como por cá se passavam as coisas, nada, o tempo da visita era pouco era o que eles quisessem o regulamento era uma hora, mas na prática o PIDE é que mandava era dez minutos outro dia vinte minutos e por vezes uma hora era como queriam.
Os presos estavam em interrogatórios e torturas no Aljube e iam a António Maria Cardoso que era a sede da PIDE. Tempos mais tarde passavam para a prisão de Caxias, conheço o reduto Norte, depois foi construída o reduto Sul e existia um pouco mais afastado a prisão hospital de Caxias.

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