terça-feira, 1 de junho de 2010

Germano Vidigal e Alfredo Lima Dois comunistas que o fascismo assassinou



Germano Vidigal e Alfredo Lima foram dois dos militantes comunistas assassinados pela sinistra PIDE ao longo dos 48 anos de fascismo. O primeiro morreu na tortura em 1945, o segundo foi varado a tiro, cinco anos depois.

Há nomes que podem dizer pouco à grande maioria das pessoas, incluindo a muitos comunistas, mas que nem por isso deixam de ter um lugar cativo na galeria dos heróis da resistência ao fascismo. Germano Vidigal e Alfredo Lima, assassinados pela PIDE na flor da vida, são dois dos muitos mártires que a longa resistência em Portugal criou.
Mas que ninguém se surpreenda por deles nunca ter ouvido falar: tornar conhecido o seu nome, o seu percurso, a sua firmeza e as circunstâncias das suas mortes significaria reconhecer que em Portugal houve fascismo e que este prendeu, torturou e matou muitos daqueles que se lhe opunham. E isto é algo que não está claramente nos planos da história oficial, mais interessada no branqueamento da ditadura e da sua natureza e no apagamento do papel ímpar daqueles que mais tenaz e duramente lhe resistiram – os comunistas e o seu Partido. Também por isto, é fundamental lembrar os seus nomes, devolvendo-os ao povo, em defesa do qual tombaram.
Estes dois assassinatos, separados por cinco anos, têm em comum o facto de estarem ligados à luta do proletariado agrícola por melhores condições de vida. Uma luta que teve na acção reivindicativa dos operários agrícolas nas praças de jorna um palco privilegiado e que abriu a porta à conquista da jornada de oito horas em 1962 e à própria Reforma Agrária, na sequência da Revolução de Abril.

O Partido incita à luta

O assassinato de Germano Vidigal, em 28 de Maio de 1945, está ligado à luta dos operários agrícolas de Montemor-o-Novo, e em geral em todo o Alentejo, por jornas mais elevadas. No início desse ano, em localidades como Albernôa, Machede, Montemor, São Manços, Ermidas e Alvalade, os assalariados rurais tinham-se já erguido na reclamação de melhores salários e do fornecimento de géneros.
Aproximando-se a época das ceifas, entre Maio e Agosto, o PCP difundiu um apelo aos trabalhadores do Alentejo para que lutassem contra a «ofensiva de fome» do regime fascista, animando-os com os exemplos dos operários de Lisboa e do Ribatejo que haviam conquistado melhores condições do patronato. Ao apelo do Partido, os operários concentraram-se nas Casas do Povo e promoveram marchas de fome. Em Montemor, Portel e Lavre estalaram greves.
No dia 20 de Maio, dois mil assalariados rurais concentraram-se junto ao Grémio da Lavoura, em Montemor, levando as suas reivindicações. Entre eles estava Germano Vidigal, dirigente local do PCP. O fascismo reagiu, enviando de Évora uma força especial da GNR, que carregou com brutalidade sobre os trabalhadores, que resistiram como e enquanto puderam. Mil e quinhentos operários foram presos e concentrados na praça de touros, sob ameaças, agressões e ofensas.
A Germano Vidigal esperava-o outro destino: enviado para o posto local da GNR foi entregue a dois conhecidos torturadores da PIDE, os agentes Barros e Carrilho, que tentaram, em vão, obter dele alguma informação. Mas Germano Vidigal, dirigente local do PCP, não falou!

Ficou a dignidade e o exemplo

Na brochura clandestina A Resistência em Portugal, descreve-se com pormenor a tortura de que foi vítima, da qual não sairia com vida. No texto conta-se que face à recusa de Germano Vidigal, os pides «cortaram-lhe as costas a cavalo-marinho, provocaram-lhe profundas feridas na cabeça e no rosto, aplicaram-lhe socos no estômago e no fígado, torceram-lhe os testículos, espezinharam-no, projectaram-no contra a parede da sala». A recusa em falar, o militante comunista Germano Vidigal manteve-a até ao fim. Morreu mas não denunciou! Foi-se a vida mas ficou a dignidade!
Nascido em Évora em 1913, Germano Vidigal foi para Montemor com apenas 12 anos tentar ganhar a vida. Como muitos outros da sua geração, conheceu o trabalho duro e a sobrevivência difícil. Mas também consolidou uma firme consciência de classe e sólidas convicções revolucionárias. Membro do Sindicato da Construção Civil, integrou a primeira Comissão Local de Montemor-o-Novo do PCP.
Nesses anos, o PCP combatia as ilusões «democráticas» lançadas pela ditadura de Salazar, em virtude da derrota dos seus aliados ideológicos na Segunda Guerra Mundial, e afirmava a sua linha de mobilização popular e unidade nacional antifascista. Desta orientação, que a vida provou ser justa, nasceram as comissões de praça e de rancho, partiu-se à conquista das Casas do Povo – era o Alentejo, «esse leão até há pouco adormecido» de que falava o Avante! da segunda quinzena de Junho de 1945, que se erguia!

Símbolo da luta por uma vida melhor

Alfredo Lima era ainda um jovem de pouco mais de 20 anos quando as balas da GNR o deitaram por terra, sem vida. Estava-se a 4 de Junho de 1950 e os operários agrícolas de Alpiarça concentravam-se na Praça de Jorna protestando contra os salários de miséria e exigindo melhores condições. Na altura, para um duro trabalho de sol a sol, os homens auferiam 20 escudos e as mulheres 10. Os trabalhadores, unidos e firmes, exigiam 30 para os homens e 15 para as mulheres e não estavam dispostos a ir trabalhar por menos.
Naquela noite, para além da habitual Praça de Jorna, estava reunida uma outra, a praça feminina, o que há três anos não sucedia. Perante a firmeza e unidade das mulheres, os capatazes, que tinham ordens expressas para não ceder, vêem-se em dificuldades e aceitam os 13,5 escudos. Mas as operárias não desarmam e exigem a totalidade das suas reivindicações.
Vendo-se acossados, os capatazes chamam a GNR. Os homens, apercebendo-se que algo se passava na praça das mulheres, vão em seu auxílio. A GNR dispara sobre esta impressionante manifestação de unidade e força. Para além do assassinato do jovem Alfredo Lima, são feridos os trabalhadores Angelino Arraiolos, Manuel Piscalho e Raúl Farroupa Casaca. Muitos foram presos.
Para tentar esconder mais este crime e impedir que o povo de Alpiarça fizesse do seu funeral uma grande manifestação antifascista, as autoridades enterraram-no em Santarém. Só 24 anos depois, em Junho de 1974, derrubado o fascismo, os restos mortais do jovem comunista Alfredo Lima puderam regressar à sua terra. A trasladação para Alpiarça foi uma impressionante manifestação popular de repúdio pelo fascismo e de apego aos ideais libertadores do 25 de Abril. O jovem mártir tornou-se um símbolo da Alpiarça combatente, proletária e antifascista.

Fortaleza de luta popular

A luta por aumentos de jornas de 4 de Junho de 1950 em Alpiarça, que contou com uma forte presença feminina e juvenil, não foi um caso isolado naquela vila ribatejana. Em vários números do Avante! clandestino, surgem referências a protestos e lutas aí travados: em 1935; em Outubro de 1944, contra o racionamento e a falta de azeite; e em 7, 8 e 9 de Maio de 1945, vitoriando a derrota da Alemanha nazi e exigindo democracia, eleições e a libertação dos presos políticos. Como tal, não parou com a luta de 4 de Junho e as referências àquela localidade vão, no Avante! clandestino, até Março de 1974.
Isto levou a que, em Dezembro desse ano de 1974, Álvaro Cunhal realçasse, num comício aí realizado que, «na historia da luta do português contra a ditadura fascista, Alpiarça é um nome que brilha pelas lutas dos operários agrícolas, pelas grandes manifestações de protesto contra a ditadura, pela vitalidade das actividades democráticas, pela influência e papel determinante do Partido da classe operária – o Partido Comunista Português. O nome de Alpiarça tornou-se conhecido como o de uma das fortalezas da luta popular, erguidas, invencíveis e confiantes, no Portugal abafado, oprimido e espezinhado pela odiada ditadura fascista».
Alfredo Lima não foi o único militante comunista a sucumbir à violência fascista nesse ano de 1950. No dia 2 de Janeiro, Militão Ribeiro, membro do Secretariado do Partido, morreu na Penitenciária de Lisboa, vítima de um regime prisional brutal; a 23 desse mesmo mês, o funcionário clandestino José Moreira foi torturado até à morte na sede da PIDE; a 22 de Maio deu-se o assassinato do operário comunista de Gaia Venceslau Ferreira Ramos e, a 26 de Junho, vítima de torturas, Carlos Pato.

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