sábado, 8 de junho de 2013

Segunda Guerra Mundial 1942


Stalinegrado (2)
A hora das grandes decisões
Tanto Jukov como Vasilievski sabiam que o Exército Vermelho não estaria em condições de lançar uma contra-ofensiva poderosa e suficiente antes de 15 a 20 de Novembro. Mas sabiam, igualmente, que a Alemanha nazi perdera possibilidades de executar, plenamente, o seu plano estratégico para 1942 porque os recursos disponíveis, após terríveis perdas sustentadas, eram inferiores ao mínimo necessário para tornar exequível a conquista do Cáucaso e da histórica e simbólica Stalinegrado, assim como dos deltas do Dão e do Volga.
 Para usarmos as palavras do próprio Jukov, «os alemães já não possuíam mais homens e mais material que pudessem lançar no teatro de guerra de Stalinegrado e teriam, sem dúvida, tal como acontecera diante de Moscovo, de se remeter a posições defensivas em todos os sectores». Era por isso que o comando nazi assumia a responsabilidade de lançar nas linhas onde se morria pelo ‘III Reich’, as divisões oriundas dos países satélites, da Roménia, da Hungria, da Itália que, entretanto, não possuíam a eficiência e o conhecimento de situações de combate que se haviam perdido na ilusória tentativa de entrar em Moscovo. Agora, no Sul e no desespero do assalto às regiões de produção petrolífera e à emblemática Stalinegrado, essa eficiência e esse conhecimento voltavam a perder-se e a ficar pelos caminhos da guerra.
Jukov, entretanto, deixou-nos dito algo mais: «Sabíamos que o 6.º exército de von Paulus e o 4.º exército ‘Panzer', de Hermann Hoth, duas das mais eficientes máquinas de guerra que a ‘Wehrmacht’ possuía, tinham sido empurrados para o centro de prolongadas e exaustivas batalhas no sector de Stalinegrado. Todavia, esses exércitos já não podiam completar a sua missão porque se achavam, simplesmente, paralisados nas proximidades da capital do Volga, afundados na lama das ilusões criminosas de Adolf Hitler e do seu povo. Chegara, portanto, a hora das grandes decisões devido a que na luta mortal às portas da cidade e, depois, no seu próprio centro, também o Exército Vermelho sofrera terríveis perdas deixando, a certa altura, de possuir recursos humanos suficientes para derrotar o inimigo. Mas estávamos a completar a preparação de reservas estratégicas em massa, equipadas com o armamento e o equipamento geral para combate mais modernos que se conheciam. Em Novembro, o Comando Supremo estaria de posse de novas formações de tropas mecanizadas feitas equipar com o mais eficiente e manobrável material e de carros de combate de novos modelos, como era o caso dos tanques T-34, o que nos permitiria definir objectivos mais ambiciosos».
Às dez horas da noite de 13 de Setembro, o comandante supremo voltava a receber no Kremlin o chefe do Estado-Maior do Exército Vermelho, Vasilievski e, evidentemente, Jukov, agora segundo comandante supremo, como sabemos. Apertando-lhes as mãos, mostrou-se indignado ao dizer: «Dezenas, centenas de milhares de cidadãos soviéticos estão a dar as suas vidas na luta contra o fascismo e o nazismo, mas Churchill prefere fazer-nos perder tempo a discutir o preço de vinte aviões ‘Hurricane’. A verdade é que os ‘Hurricanes’ não são bons aparelhos. Os nossos pilotos não gostam deles!». Mas olhando o mapa que Vasilievski e Jukov abriam sobre a mesa de reuniões, perguntou: «O que me trazem aí?». Foi o primeiro quem respondeu: «Trata-se do traçado preliminar de um plano para a contra-ofensiva na área de Stalinegrado e as concentrações de tropas que o camarada Staline está a ver, aí, à volta de Serafimovitch, representam a nova Frente que teremos de criar se quisermos atingir o inimigo com um golpe devastador à sua retaguarda na área de Stalinegrado». O secretário-geral do PC da URSS ia a perguntar com que forças se desencadearia semelhante operação, mas Vasilievski, que já esperava a reacção, esclareceu: «Teremos essas forças dentro de 45 dias!». O camarada Staline pôs-se a pensar…
Os dois principais oficiais do Exército Vermelho passaram, então, a descrever a essência do seu plano. «A operação será dividida em duas fases», disse Jukov. E logo esclareceria: «A primeira, consistirá na penetração e no envolvimento do sistema defensivo inimigo em Stalinegrado e na criação de uma Frente, segura e forte, no exterior, que isole as forças inimigas cercadas; a segunda fase será aquela em que essas forças inimigas, cercadas, serão destruídas ao mesmo tempo que bloqueadas todas as tentativas que tenham lugar, eventualmente, para libertá-las». Enquanto isto, ao telefone, Yeremenko anunciava que os nazis estavam a conduzir mais unidades de tanques para Stalinegrado pelo que seria de esperar um novo e poderoso ataque no dia seguinte. Voltando-se para Jukov, o comandante supremo gritou: «Telefone a Gordov e a Golovanov para que lancem ataques aéreos sobre essas forças nazis, logo às primeiras horas da manhã. E o camarada, vista a gravidade do momento, parta já para a zona da Frente de Stalinegrado e estude as condições que se nos apresentam em Kletskaya e em Serafimovitch. Será bom que, dentro de dias, o camarada Vasilievski se desloque também para o sector da Frente Oriental-Sul para discutir com Yeremenko a situação na sua ala esquerda. Quanto à nossa análise do vosso plano, trataremos disso mais tarde mas, por enquanto, espero que ninguém saiba nada do que aqui discutimos».
Em dias e noites de dolorosos e sanguinários combates, os nazis atravessavam as ruínas da cidade, quase passo a passo, preparando-se para atingir a margem oposta do Volga. Tudo indicava que o conseguiriam, apesar do sacrifício de forças dispersas do 62.º exército (Chuikov) e do 64.º (Chumilov), da Frente Oriental-Sul, para lhes retardarem a progressão. Segundo Jukov, «as ruínas da cidade estavam transformadas numa estranha fortaleza». Mas o novo contra-ataque da 13.ª divisão de Guardas (Rodimtsiev), inesperado para os nazis, levou à recuperação de algumas posições. Também a acção do 16.º exército do Ar (Rudenko) em apoio ao 24.º exército de infantaria (Galanine), ao 1.º exército de Guardas (Moskalenko) e a outras formações pertencentes à Frente de Stalinegrado (Gordov), contribuiu para que a marcha do inimigo começasse a depauperar-se. Em fins de Setembro e princípios de Outubro, a grave situação que continuava a viver-se no sector de Stalinegrado obrigava, mesmo que os criadores do novo plano de contra-ataque soviético o não desejassem, à realização de novas reuniões em Moscovo e à concretização de um acordo quanto aos primeiros passos desse temerário mas gigantesco e patriótico projecto.
Rokossovski na Frente do Dão
Foi decidido, para começar, que a Frente de Stalinegrado passasse a designar-se como Frente do Dão e que se chamasse o tenente-general Konstantin Rokossovski a comandá-la. Este, como sabemos, fora comandante do 16.º exército e tinha participado, heroicamente, no inferno da batalha de Moscovo dirigindo as operações defensivas no sector de Volokolamsk. Para chefe do Estado-Maior da nova Frente seria nomeado o general Malinine. Vatutine (Nikolay) assumiria o comando da Frente Ocidental-Sul a que se juntaria o 40.º exército sob as ordens de um novo comandante, Moskalenko, transferido do exausto 1.º exército de Guardas. Staline, entretanto, manifestava-se entusiasmado e, simultaneamente, inquieto devido às pesadas responsabilidades que teriam de ser assumidas envolvendo a vida de milhões de homens. «Camarada Jukov!», disse, no decorrer de um novo encontro no Kremlin: «Regresse, imediatamente, à sua posição no sector de Stalinegrado; observe, uma vez mais e com redobrado cuidado, as áreas detalhadas no plano como zonas de concentração de divisões de reserva; o mesmo quanto às linhas de onde partirão os contra-ataques da Frente Ocidental-Sul e da ala direita da Frente de Stalinegrado e, particularmente, à volta de Serafimovitch e Kletskaya. O camarada Vasilievski, deve, igualmente, voltar ao sector da extrema-esquerda na Frente Oriental-Sul (Yeremenko) e estudar, aí, todos os problemas relacionados com o nosso plano». Os papéis e os mapas referentes ao extraordinário movimento de tropas e de recursos materiais que resultaria no contra-ataque do Exército Vermelho foram assinados pelos dois chefes militares. O Comandante Supremo, entretanto, acrescentaria em todos esses documentos, já assinados, uma só palavra: «Aprovo!» sublinhando-a com a sua própria assinatura, J. Staline.
O posto de comando da nova Frente do Dão (Rokossovski), localizava-se perto da margem do Volga. A Frente era composta pelos 63.º exército (Kuznetsov), que ocupava uma zona frontal de 200 quilómetros ao longo da margem esquerda Norte do rio Dão e uma pequena testa-de-ponte na margem esquerda Sul do mesmo rio em Verkhni Mamon; pelo 21.º (Danilov), que ocupava uma zona frontal de 150 quilómetros, também na margem esquerda Norte, e uma testa-de-ponte na margem esquerda Sul, em Yelanskaya, Ust-Khoperskaya, Serafimovitch; pelo 4.º de tanques (Kryuchenkine, depois, Batov), que ocupava um sector de 30 quilómetros de extensão na margem esquerda Norte, entre o Dão e o Volga; pelo 24.º (Galanine) num sector de 50 quilómetros de extensão, também entre os dois rios; e pelo 66.º (Malinovski, depois Zhadov) que ocupava, numa linha de 20 quilómetros de extensão igualmente, entre os dois rios, o respectivo flanco esquerdo posicionando-se do lado do Volga. Assim, dois exércitos tomariam posições num vasto espaço que se traçava ao longo do rio Dão, enquanto três outros combateriam em terrenos entre este e o Volga ameaçando o principal grupo de forças nazis que, no início das operações, em Julho, surgira de Norte, em toda a zona do famoso e histórico rio.
Por outro lado, a nova Frente de Stalinegrado que se designara, até então, como a nossa já conhecida Frente Oriental Sul, continuava sob o comando do general Yeremenko e incorporava, principalmente, o 62.º exército (Chuikov) que lutava dentro da cidade e do qual se havia perdido o contacto tanto a Norte como a Sul devido à intervenção de unidades inimigas que combatiam em plena margem direita do Volga; aquela que seria a nova Frente de Stalinegrado compreendia, ainda, o 64.º exército (Chumilov), o 57.º (Tolbukine) e o 51.º (Trufanov). Todas estas formações defendiam uma larga zona frontal, a Sul do lago Barmantsak. Entretanto, depois da luta contínua em que se haviam visto envolvidas, não era difícil verificar que a quase totalidade das unidades designadas para a constituição daquilo que seria a nova Frente do Dão se encontravam severamente diminuídas nos seus efectivos e era por isso que começavam a retirar para zonas à retaguarda com o objectivo de serem reorganizadas. Rokossovski sabia que a situação não lhe permitiria uma reestruturação de forças sob o seu comando em grande escala, mas chegara preparado para pôr em prática o seu próprio sistema de controlo de tropas.
Em fins de Setembro, o inimigo parecia ter empenhado em acção pelos objectivos que já conhecemos todas as suas forças disponíveis. O Grupo de Exércitos ‘A’ (marechal de campo, List) envolvera-se numa luta extremamente exaustiva, interminável, nas montanhas do Cáucaso onde a desesperada resistência soviética o mantinha seriamente comprometido e sem ganhos à vista, o que levaria Hitler a demiti-lo. Para mais, o 4.º exército ‘Panzer’ (Hoth) tivera de ser transferido para o Grupo de Exércitos ‘B’ a fim de lutar entre o Volga e o Dão onde os combates envolvendo os dois mundos em presença, sempre mais furiosos, provocavam baixas consideráveis. Tornava-se evidente que a campanha nazi dificilmente conseguiria capturar o Cáucaso ou dominar o Volga no rumo de Stalinegrado para Astrakan. Sem dificuldades, qualquer observador constatava que o inimigo tinha esgotado muitas das suas possibilidades ofensivas. Os flancos do seu principal grupo de tropas em operações entre os dois rios e na própria cidade de Stalinegrado dispunham de inadequada protecção. Por outro lado, os nazis já não possuíam reservas suficientes que lhes permitissem uma reorganização nas áreas ocupadas e as suas comunicações, que se alongavam através de um território muito vasto, tornavam-se vulneráveis. Onde se combatia, surgiam campos ou espaços, imensos, coalhados de tanques destruídos e abandonados, alguns ainda fumegantes, tanto alemães como soviéticos. Os nazis construíam trincheiras sob esses carros de combate de onde se tornava difícil e custoso desalojá-los.
Cinco meses de combates intensos e furiosos tinham passado. Nos primeiros dias de Novembro (1942) tornava-se claro o enfraquecimento dos principais grupos de tropas nazis. No interior de Stalinegrado, onde se lutava desde Julho, apenas algumas unidades se limitavam a acções de menos significado. A “Wehrmacht” já não desconhecia o seu destino. Apenas procurava adiá-lo. Mas, do lado soviético, o movimento ferroviário intensificava-se. As três frentes de exércitos envolvidas na contra-ofensiva geral começavam a receber apreciáveis reforços em pessoal e em equipamentos de todas as espécies. A Frente do Dão, por exemplo, cedia os 63.º e 21.º exércitos à recentemente criada Frente Ocidental-Sul (Vatutine) mas recebia diversas divisões de infantaria com pessoal mais preparado para as suas futuras operações e, especialmente, um segundo Corpo de bombardeiros para reforço do seu 16.º exército do Ar (Rudenko).
Horas decisivas
Segundo o plano estabelecido e desenvolvido por Jukov e Vasilievski, a que Staline se associou, como vimos, seria a Frente Ocidental-Sul a desferir, no momento exacto, o ataque principal, partindo da testa-de-ponte a Sudoeste de Serafimovitch contra o 3.º exército romeno. Esta iniciativa, na direcção de Kalach, para Sul, conduziria a que no terceiro dia de operações unidades dessa Frente, que Vatutine comandava, se aproximassem daquelas que, pertencentes à nova Frente de que Yeremenko era o comandante, tinham partido para Sovietski, idas da área dos lagos Barmanisak e Sarpa na direcção dos rios Krivaya e Chir. As duas frentes e a do comando de Rokossovski (Dão) desenhariam, assim, um anel no terreno e marchariam para Kalach e para Sovietski, o que, em termos práticos, correspondia ao cerco de todo o grupo nazi que, sob o comando de von Paulus, ainda lutava em partes de Stalinegrado e nas suas cercanias. Concretamente, a missão de Yeremenko consistia na eliminação do 6.º corpo de exército romeno abrindo caminho para Noroeste na direcção de Sovietski, que ficava muito perto de Kalach, como sabemos. Unidades de Yeremenko acabariam, assim, por estar na junção com as da Frente Ocidental-Sul (Vatutine) que atingiriam Kalach para, com a Frente do Dão (Rokossovski) cumprirem o objectivo de destruir o 6.º exército, de von Paulus, e o 4.º exército ‘Panzer’ de Hoth, completamente.
Para sermos mais precisos: a Frente do Dão (Rokossovski) partiria da testa-de-ponte em Kletskaya e do sector de Kachalinskaya. No seu percurso, tomando a direcção de Vertyachi, envolveria e destruiria as formações inimigas posicionadas no sector da curva do rio Dão. Estas operações, que se desenrolariam dramática e espectacularmente e ficariam na História, seriam iniciadas a 19 de Novembro para as Frentes Ocidental-Sul e do Dão e a 20 para a Frente de Stalinegrado. Mas quanto tempo seria necessário para completá-las? As principais forças nazis do Grupo de Exércitos ‘B’, sob o comando do marechal de campo Weichs (Maximilien), achavam-se na área central do Dão, em Stalinegrado e na região dos lagos Sarpinskye e compreendiam, como sabemos, os exércitos italianos e romenos e as poderosas formações nazis já acima mencionadas que Paulus e Hoth comandavam. Os seus efectivos, alguns de questionável valor, iam para cima de um milhão de homens, possuíam 675 tanques e outros tipos de carros de combate e mais de 10 000 peças de artilharia e morteiros e tinham o apoio aéreo da ‘Luftwaffe’ através da 4.ª Armada e do 8.º Corpo de Exército do Ar.

Continua

Manoel de Lencastre 

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