terça-feira, 27 de abril de 2010

SESSÃO SOLENE DA ASSEMBLEIA MUNICIPAL DE ALPIARÇA EVOCATIVA DO 25 DE ABRIL

Ex.mo Sr Presidente da Assembleia Municipal
Ex.ma Srª Presidente da Junta de Freguesia de Alpiarça
Caros colegas autarcas
Caros conterrâneos

Estamos aqui hoje a comemorar o 25 de Abril, com orgulho e alegria, como uma das datas mais importantes da nossa história: o dia da libertação do nosso País da ditadura fascista e a consequente conquista da liberdade e da democracia.
Pode comemorar-se Abril começando por evocar uma outra data memorável.
Neste ano de 2010, não posso deixar sem referência essa outra data, cujo significado político, ao longo de décadas, se interligou com a luta antifascista em Portugal e com as aspirações que estão na origem da Revolução dos Cravos.
Este ano é marcado pela passagem de 100 anos sobre a implantação da República. Naturalmente, Alpiarça surgirá associada às comemorações deste centenário, procurando definir um programa em conjunto com as instituições locais, de forma a envolver toda a comunidade.
Será uma oportunidade para promover a nossa terra, o seu património – em especial a Casa dos Patudos –, e relevar a figura e o papel histórico de uma personagem central naquele momento revolucionário: José Relvas.
Mas deverá ser também a oportunidade para questionar e nos aproximarmos da análise das suas origens, dos seus aspectos políticos e consequências, o estudo da nossa memória colectiva a nível local.
Tal como anteriormente outros movimentos revolucionários do século XIX – e posteriormente o 25 de Abril –, o 5 de Outubro foi mais que uma simples alteração formal de regime, porque correspondeu a um movimento de massas que, em grande medida, traduzia justas reivindicações populares e aspirava a transformar Portugal no sentido da justiça e do progresso social.
Os operários das áreas já industrializadas e os trabalhadores agrícolas, entre os quais os de Alpiarça, ajudaram à propaganda republicana e apoiaram a Revolução e o novo poder que, em contrapartida, os hostilizou logo desde a sua instalação.
No entanto, a revolução republicana permitiu avanços nos planos político e social, consagrando direitos formais a todos os cidadãos.
Mas os republicanos vitoriosos no governo do País deixaram sempre muito clara a sua opção de classe – a opção pela defesa dos interesses económicos da grande burguesia, deixando praticamente intocável a estrutura económica e de propriedade, reproduzindo a exploração dos trabalhadores, reprimindo as suas aspirações e afastando-os da República.
Foi o receio das reivindicações populares que condenou a 1ª República e abriu caminho a 48 anos de ditadura no nosso País; essa ditadura que para alguns não passou de um “autoritarismo conservador e ruralista”, mas que foi de facto um regime fascista, violento, assente na supressão das liberdades mais elementares e num brutal aparelho repressivo apoiado nas prisões políticas, nos tribunais plenários e na polícia política, que intimidava, perseguia, prendia, torturava, assassinava.
Por várias razões, foi uma República incompleta, esta, derrotada pelos militares e sectores reaccionários em 1926, antecâmara do salazarismo; ainda assim, pelo potencial libertador que encerrava, deixou sementes de esperança nos trabalhadores portugueses, de tal forma que em plena noite fascista, iludindo as autoridades do regime e arriscando a liberdade, os antifascistas de Alpiarça lançavam foguetes comemorativos do 5 de Outubro.
Essa esperança de liberdade e de igualdade suportou o fascismo e a miséria, o exílio e a guerra, clandestinamente durante a maior parte do tempo, à luz do dia quando a luta se agudizava, e chegou fortalecida a 25 de Abril de 1974.
Por esta razão, a comemoração de Abril não se pode limitar aos acontecimentos desse dia, por mais memorável que tenha sido o levantamento militar que derrubou o governo de Marcelo Caetano.
A Revolução não se esgotou aí, contrariamente ao que alguns gostariam que tivesse acontecido, mas é o culminar de um longo percurso de resistência de décadas e é, sobretudo, um processo; um processo que, à acção dos militares do MFA, viu associar um vasto levantamento popular por todo o País, possibilitando a democratização e o traçar de um caminho de definição de conquistas históricas do povo português.
Desde logo, a instauração de uma democracia política, com base nas liberdades e direitos individuais, as liberdades de associação política e sindical, de expressão e de pensamento; o fim da guerra colonial e a independência das antigas colónias; o direito à manifestação e à greve; os direitos sociais; a criação do serviço nacional de saúde; a democratização do acesso à terra por parte dos trabalhadores, com a reforma agrária, combatendo o desemprego e promovendo a produção nacional; entre muitas outras realizações.
É de toda a justiça que ao comemorar os 36 anos do 25 de Abril se continue a realçar o papel de coragem, determinação e heroísmo dos militares do MFA. Não podemos celebrar Abril sem valorizar a generosidade dos seus Capitães, que nessa madrugada abriu as portas a um futuro de liberdade e à construção de um regime democrático.
A esses devemos muito das nossas vidas e do que somos hoje, como País e como Povo.
É importante lembrar a unidade dos democratas em torno do MUNAF e do MUD, motivada pelo apoio aos candidatos e às listas da oposição, hipocritamente toleradas pelo regime para, após todas as formas de condicionamento e de fraude, retomar a repressão, bem como do momento de mobilização e de esperança que constituiu as eleições presidenciais de 1958 e a acção militante e organizada de milhares de democratas, e que, em Alpiarça, se traduziu numa enorme vitória democrática, apesar da censura e das ilegalidades.
É também justo mencionar, na evocação de Abril, o papel que foi desempenhado por alguns sectores da oposição democrática ao regime salazarista, de alguns sectores intelectuais e do movimento estudantil, opondo-se frontalmente à ditadura, à repressão e à Guerra Colonial.
No entanto, continua a ser necessário afirmar que comemorar o 25 de Abril é, em primeiro lugar, lembrar e homenagear os milhares de portugueses, homens e mulheres de várias gerações, que lutaram contra o fascismo, a miséria, a opressão e a indignidade; os que resistiram.
Homenageamos hoje nesta sessão solene sete alpiarcenses, escolhidos de entre os que se destacaram nessa luta, atribuindo-lhes a Medalha Municipal da Liberdade.
Foi uma escolha muito difícil, porque desta lista de homenagens poderiam constar muitos mais nomes, como sabemos todos.
Esta é uma homenagem devida por Alpiarça; devida pela democracia enquanto regime nascido como fruto de uma luta tenaz e pelo qual deram muito das suas vidas.
É uma homenagem justa, mas que tardou, sobretudo para os que não estão já entre nós. Evocando-os agora, consola-nos a consciência de que essa entrega generosa nunca esteve dependente de homenagens públicas.
Mas nós temos o dever moral de começar a saldar a dívida de gratidão, enquanto beneficiários da sua luta e depositários do seu legado, lembrando-os e evocando os seus actos e a sua memória.
Alguns perderam a vida nesse combate; várias centenas de alpiarcenses que, neste trabalho empenhado, defrontaram a clandestinidade, a prisão e a tortura.
São todos incontestavelmente merecedores do nosso mais alto reconhecimento colectivo.
São os mais valiosos dos portugueses; pessoas simples, trabalhadores;
as duras circunstâncias em que viveram e criaram consciência levaram a que tivessem assumido importantes tarefas de organização e mobilização de outros trabalhadores – na praça, nos ranchos, nas searas, nas maltesarias, nos lagares –, tecendo uma rede que se fortalecia até ao próximo golpe da repressão, e que, após esse, voltava a renovar-se, a fortalecer-se, a circular pelas charnecas e lezírias, a construir a esperança que comemoramos em Abril.
As eleições autárquicas de Outubro de 2009 ditaram um novo quadro político no nosso concelho.
Os alpiarcenses criaram expectativas legítimas de desenvolvimento social que, com o ritmo que a realidade impõe, tudo faremos para concretizar.
Estamos perante um quadro extremamente difícil em termos financeiros, com profundas limitações ao normal desenvolvimento da actividade autárquica e de cumprimento expedito de compromissos assumidos com a população, que obriga a uma gestão muito rigorosa de procedimentos e de gastos, de forma a reequilibrar as finanças municipais e a relançar a capacidade de investimento e de realização.
Será um processo discutido com todos os eleitos e com a população.
Estamos empenhados em prosseguir na linha do espírito republicano de 1910 qualitativamente melhorado pelo 25 de Abril de 1974; ou seja, continuar a trabalhar em conjunto com a população e com o movimento associativo, envolvendo os alpiarcenses nas decisões, promovendo a participação.
A difícil situação que enfrentamos só poderá ser superada com rigor, responsabilidade e transparência por parte dos eleitos.
Assistimos hoje a tentativas de reescrever a história e de cristalizar a concepção de que comemorar Abril é reverenciar meia-dúzia de supostos heróis, mais ou menos ligados aos acontecimentos;
ou enfatizar a cronologia dos factos ligados apenas às operações militares e à acção do MFA;
ou ainda, colocar os valores de liberdade e democracia enquanto abstracções e como valores inquestionáveis e perenes, desligando-os da luta pela sua conquista, das condições concretas do seu exercício e iludindo a necessidade de permanente defesa.
Os ensinamentos tirados dos erros da 1ª República devem ajudar-nos a exigir que a Revolução de Abril se cumpra integralmente.
Nestes nossos tempos, em que o conformismo e a capitulação de alguns sob a forte ofensiva contra a democracia têm ganho terreno, mesmo muitos dos que se revêem no significado de Abril tendem a desvalorizar a importância das conquistas alcançadas, desvirtuando por vezes o seu verdadeiro alcance, atribuindo à Revolução libertadora responsabilidades que ela não tem – responsabilidades que devem ser justamente, sim, atribuídas às políticas erradas de quem governou contra a Constituição.
Há ainda os que dizem não fazer sentido comemorar o dia da liberdade, visto esta ser um dado adquirido e, logo, se dispensarem os rituais de celebração. Nada de mais errado!
É cada vez mais necessário celebrar Abril e o que significa para o nosso País: um tempo de generosidade; um tempo de afirmação de elevados valores éticos e cívicos.
A Revolução de Abril significa um tempo de realização individual e colectiva, de transformação, e garantiu um património de conquistas populares de grande alcance e significado.
É necessário afirmar, com verdade, o que foi a Revolução, qual a natureza do regime que derrubou, quais os seus intérpretes mais fiéis e quem sempre se lhe opôs ou, ainda, quem ainda hoje se opõe à prossecução de uma democracia plena.
É preciso continuar a defender os valores e as conquistas de Abril!

Viva o 25 de Abril!

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