Ex.mo Sr Presidente da Assembleia Municipal
Ex.ma Srª Presidente da Junta de Freguesia de Alpiarça
Caros colegas autarcas
Caros conterrâneos
Estamos aqui hoje a comemorar o 25 de Abril, com orgulho e alegria, como uma das datas mais importantes da nossa história: o dia da libertação do nosso País da ditadura fascista e a consequente conquista da liberdade e da democracia.
Pode comemorar-se Abril começando por evocar uma outra data memorável.
Neste ano de 2010, não posso deixar sem referência essa outra data, cujo significado político, ao longo de décadas, se interligou com a luta antifascista em Portugal e com as aspirações que estão na origem da Revolução dos Cravos.
Este ano é marcado pela passagem de 100 anos sobre a implantação da República. Naturalmente, Alpiarça surgirá associada às comemorações deste centenário, procurando definir um programa em conjunto com as instituições locais, de forma a envolver toda a comunidade.
Será uma oportunidade para promover a nossa terra, o seu património – em especial a Casa dos Patudos –, e relevar a figura e o papel histórico de uma personagem central naquele momento revolucionário: José Relvas.
Mas deverá ser também a oportunidade para questionar e nos aproximarmos da análise das suas origens, dos seus aspectos políticos e consequências, o estudo da nossa memória colectiva a nível local.
Tal como anteriormente outros movimentos revolucionários do século XIX – e posteriormente o 25 de Abril –, o 5 de Outubro foi mais que uma simples alteração formal de regime, porque correspondeu a um movimento de massas que, em grande medida, traduzia justas reivindicações populares e aspirava a transformar Portugal no sentido da justiça e do progresso social.
Os operários das áreas já industrializadas e os trabalhadores agrícolas, entre os quais os de Alpiarça, ajudaram à propaganda republicana e apoiaram a Revolução e o novo poder que, em contrapartida, os hostilizou logo desde a sua instalação.
No entanto, a revolução republicana permitiu avanços nos planos político e social, consagrando direitos formais a todos os cidadãos.
Mas os republicanos vitoriosos no governo do País deixaram sempre muito clara a sua opção de classe – a opção pela defesa dos interesses económicos da grande burguesia, deixando praticamente intocável a estrutura económica e de propriedade, reproduzindo a exploração dos trabalhadores, reprimindo as suas aspirações e afastando-os da República.
Foi o receio das reivindicações populares que condenou a 1ª República e abriu caminho a 48 anos de ditadura no nosso País; essa ditadura que para alguns não passou de um “autoritarismo conservador e ruralista”, mas que foi de facto um regime fascista, violento, assente na supressão das liberdades mais elementares e num brutal aparelho repressivo apoiado nas prisões políticas, nos tribunais plenários e na polícia política, que intimidava, perseguia, prendia, torturava, assassinava.
Por várias razões, foi uma República incompleta, esta, derrotada pelos militares e sectores reaccionários em 1926, antecâmara do salazarismo; ainda assim, pelo potencial libertador que encerrava, deixou sementes de esperança nos trabalhadores portugueses, de tal forma que em plena noite fascista, iludindo as autoridades do regime e arriscando a liberdade, os antifascistas de Alpiarça lançavam foguetes comemorativos do 5 de Outubro.
Essa esperança de liberdade e de igualdade suportou o fascismo e a miséria, o exílio e a guerra, clandestinamente durante a maior parte do tempo, à luz do dia quando a luta se agudizava, e chegou fortalecida a 25 de Abril de 1974.
Por esta razão, a comemoração de Abril não se pode limitar aos acontecimentos desse dia, por mais memorável que tenha sido o levantamento militar que derrubou o governo de Marcelo Caetano.
A Revolução não se esgotou aí, contrariamente ao que alguns gostariam que tivesse acontecido, mas é o culminar de um longo percurso de resistência de décadas e é, sobretudo, um processo; um processo que, à acção dos militares do MFA, viu associar um vasto levantamento popular por todo o País, possibilitando a democratização e o traçar de um caminho de definição de conquistas históricas do povo português.
Desde logo, a instauração de uma democracia política, com base nas liberdades e direitos individuais, as liberdades de associação política e sindical, de expressão e de pensamento; o fim da guerra colonial e a independência das antigas colónias; o direito à manifestação e à greve; os direitos sociais; a criação do serviço nacional de saúde; a democratização do acesso à terra por parte dos trabalhadores, com a reforma agrária, combatendo o desemprego e promovendo a produção nacional; entre muitas outras realizações.
É de toda a justiça que ao comemorar os 36 anos do 25 de Abril se continue a realçar o papel de coragem, determinação e heroísmo dos militares do MFA. Não podemos celebrar Abril sem valorizar a generosidade dos seus Capitães, que nessa madrugada abriu as portas a um futuro de liberdade e à construção de um regime democrático.
A esses devemos muito das nossas vidas e do que somos hoje, como País e como Povo.
É importante lembrar a unidade dos democratas em torno do MUNAF e do MUD, motivada pelo apoio aos candidatos e às listas da oposição, hipocritamente toleradas pelo regime para, após todas as formas de condicionamento e de fraude, retomar a repressão, bem como do momento de mobilização e de esperança que constituiu as eleições presidenciais de 1958 e a acção militante e organizada de milhares de democratas, e que, em Alpiarça, se traduziu numa enorme vitória democrática, apesar da censura e das ilegalidades.
É também justo mencionar, na evocação de Abril, o papel que foi desempenhado por alguns sectores da oposição democrática ao regime salazarista, de alguns sectores intelectuais e do movimento estudantil, opondo-se frontalmente à ditadura, à repressão e à Guerra Colonial.
No entanto, continua a ser necessário afirmar que comemorar o 25 de Abril é, em primeiro lugar, lembrar e homenagear os milhares de portugueses, homens e mulheres de várias gerações, que lutaram contra o fascismo, a miséria, a opressão e a indignidade; os que resistiram.
Homenageamos hoje nesta sessão solene sete alpiarcenses, escolhidos de entre os que se destacaram nessa luta, atribuindo-lhes a Medalha Municipal da Liberdade.
Foi uma escolha muito difícil, porque desta lista de homenagens poderiam constar muitos mais nomes, como sabemos todos.
Esta é uma homenagem devida por Alpiarça; devida pela democracia enquanto regime nascido como fruto de uma luta tenaz e pelo qual deram muito das suas vidas.
É uma homenagem justa, mas que tardou, sobretudo para os que não estão já entre nós. Evocando-os agora, consola-nos a consciência de que essa entrega generosa nunca esteve dependente de homenagens públicas.
Mas nós temos o dever moral de começar a saldar a dívida de gratidão, enquanto beneficiários da sua luta e depositários do seu legado, lembrando-os e evocando os seus actos e a sua memória.
Alguns perderam a vida nesse combate; várias centenas de alpiarcenses que, neste trabalho empenhado, defrontaram a clandestinidade, a prisão e a tortura.
São todos incontestavelmente merecedores do nosso mais alto reconhecimento colectivo.
São os mais valiosos dos portugueses; pessoas simples, trabalhadores;
as duras circunstâncias em que viveram e criaram consciência levaram a que tivessem assumido importantes tarefas de organização e mobilização de outros trabalhadores – na praça, nos ranchos, nas searas, nas maltesarias, nos lagares –, tecendo uma rede que se fortalecia até ao próximo golpe da repressão, e que, após esse, voltava a renovar-se, a fortalecer-se, a circular pelas charnecas e lezírias, a construir a esperança que comemoramos em Abril.
As eleições autárquicas de Outubro de 2009 ditaram um novo quadro político no nosso concelho.
Os alpiarcenses criaram expectativas legítimas de desenvolvimento social que, com o ritmo que a realidade impõe, tudo faremos para concretizar.
Estamos perante um quadro extremamente difícil em termos financeiros, com profundas limitações ao normal desenvolvimento da actividade autárquica e de cumprimento expedito de compromissos assumidos com a população, que obriga a uma gestão muito rigorosa de procedimentos e de gastos, de forma a reequilibrar as finanças municipais e a relançar a capacidade de investimento e de realização.
Será um processo discutido com todos os eleitos e com a população.
Estamos empenhados em prosseguir na linha do espírito republicano de 1910 qualitativamente melhorado pelo 25 de Abril de 1974; ou seja, continuar a trabalhar em conjunto com a população e com o movimento associativo, envolvendo os alpiarcenses nas decisões, promovendo a participação.
A difícil situação que enfrentamos só poderá ser superada com rigor, responsabilidade e transparência por parte dos eleitos.
Assistimos hoje a tentativas de reescrever a história e de cristalizar a concepção de que comemorar Abril é reverenciar meia-dúzia de supostos heróis, mais ou menos ligados aos acontecimentos;
ou enfatizar a cronologia dos factos ligados apenas às operações militares e à acção do MFA;
ou ainda, colocar os valores de liberdade e democracia enquanto abstracções e como valores inquestionáveis e perenes, desligando-os da luta pela sua conquista, das condições concretas do seu exercício e iludindo a necessidade de permanente defesa.
Os ensinamentos tirados dos erros da 1ª República devem ajudar-nos a exigir que a Revolução de Abril se cumpra integralmente.
Nestes nossos tempos, em que o conformismo e a capitulação de alguns sob a forte ofensiva contra a democracia têm ganho terreno, mesmo muitos dos que se revêem no significado de Abril tendem a desvalorizar a importância das conquistas alcançadas, desvirtuando por vezes o seu verdadeiro alcance, atribuindo à Revolução libertadora responsabilidades que ela não tem – responsabilidades que devem ser justamente, sim, atribuídas às políticas erradas de quem governou contra a Constituição.
Há ainda os que dizem não fazer sentido comemorar o dia da liberdade, visto esta ser um dado adquirido e, logo, se dispensarem os rituais de celebração. Nada de mais errado!
É cada vez mais necessário celebrar Abril e o que significa para o nosso País: um tempo de generosidade; um tempo de afirmação de elevados valores éticos e cívicos.
A Revolução de Abril significa um tempo de realização individual e colectiva, de transformação, e garantiu um património de conquistas populares de grande alcance e significado.
É necessário afirmar, com verdade, o que foi a Revolução, qual a natureza do regime que derrubou, quais os seus intérpretes mais fiéis e quem sempre se lhe opôs ou, ainda, quem ainda hoje se opõe à prossecução de uma democracia plena.
É preciso continuar a defender os valores e as conquistas de Abril!
Viva o 25 de Abril!
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