sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Limitação de mandatos autárquicos - Declaração política de António Filipe na AR


A interpretação da lei que estabelece limites à renovação sucessiva de mandatos dos presidentes de câmaras municipais e de juntas de freguesia tem dado lugar a alguma especulação e a diversas tentativas de lançar a confusão em torno das candidaturas às próximas eleições para as autarquias locais.

Há quem considere que segundo a lei em vigor, os cidadãos que tenham exercido três mandatos consecutivos como presidentes de uma câmara municipal ou de uma junta de freguesia, ficam privados do direito a ser candidatos, não apenas aos órgãos a que presidiram durante três mandatos, mas a qualquer outro órgão autárquico do país.
Podemos admitir, embora discordemos, que por razões políticas, alguém considere que um cidadão que tenha exercido um cargo político por um determinado período, seja privado de direitos políticos para o exercício desse e de outros cargos durante um período subsequente, mas já nos custa admitir que se pretenda basear essa opinião em razões jurídicas que, manifestamente, não existem.
Sejamos mais claros: os cidadãos que tenham exercido três mandatos consecutivos como presidentes de câmara municipal ou de junta de freguesia não podem recandidatar-se a um quarto mandato consecutivo, mas não ficam inibidos de exercer o seu direito cívico e político de se candidatar a um primeiro mandato em outra autarquia. Por uma razão muito óbvia: é que não há nada na lei que o proíba e não há interpretação da lei conforme à Constituição que o impeça.
Senão vejamos:
A Constituição, no seu artigo 48.º, dispõe que todos os cidadãos têm o direito de tomar parte na vida política e na direção dos assuntos públicos do
país, diretamente ou por intermédio de representantes livremente eleitos, e no artigo 50.º, dispõe que todos os cidadãos têm o direito de acesso, em condições de igualdade e liberdade, aos cargos públicos.
É bom por isso recordar que, quando um cidadão se candidata a um cargo político, seja ele qual for, o faz ao abrigo do seu direito fundamental a ser candidato a qualquer cargo político, mas dá também concretização ao direito fundamental de todos os demais cidadãos a eleger livremente os seus representantes.
É claro que a lei pode estabelecer limites a estes direitos, através de inelegibilidades destinadas a garantir a liberdade de escolha dos eleitores e a isenção e independência do exercício dos respetivos cargos. É isso que a lei faz em diversos casos. É isso que faz, com expressa autorização constitucional no caso da limitação dos mandatos autárquicos. O que acontece é que essa limitação tem de se restringir ao disposto na lei e não pode ir para além dela, com base numa interpretação extensiva que a Constituição não autoriza.
Quando ouvimos alguns responsáveis políticos ou fazedores de opinião a defender que a limitação de mandatos deve ir para além do que a lei estabelece expressamente, ficamos com a sensação de que se esquecem que os autarcas portugueses são eleitos pelos seus concidadãos em eleições livres e que Portugal é uma República soberana baseada na vontade popular.
Por isso mesmo, a fixação legal de um limite de mandatos sucessivos aos presidentes de câmara e de junta de freguesia teve de ser precedida de uma revisão constitucional que a permitiu expressamente, a efetuar nos termos da lei.
E vejamos então o que diz a lei. O que diz a lei é que “o presidente de câmara municipal e o presidente de junta de freguesia só podem ser eleitos para três mandatos consecutivos”.
Trata-se pois de saber, desde logo, o que é um mandato. Nós temos em Portugal um mandato de presidente de câmara a ser exercido por 308 titulares ou temos 308 mandatos a ser exercidos por titulares diferentes? O presidente da câmara municipal de Coimbra e o presidente da câmara municipal de Barrancos exercem o mesmo mandato? Obviamente que não. Cada titular de cargo político exerce o mandato para que foi eleito. Não exerce os mandatos dos outros. E a limitação de mandatos que incida sobre
cada um só pode incidir sobre os seus próprios mandatos e não evidentemente sobre os mandatos dos outros.
Alguém dirá que a lei pode estabelecer que os cidadãos que exerceram três mandatos como presidentes de câmara ou de junta de freguesia não podem ser candidatos em lugar algum. A lei pode, de facto, estabelecer isso. Mas não o estabeleceu. E se a lei não o fez, não pode ser interpretada como se o tivesse feito? Respondemos, obviamente, que não pode.
Obviamente que não pode, porque as leis restritivas de direitos fundamentais, como é o caso, devem ser interpretadas restritivamente e não podem ter uma interpretação extensiva. Não somos nós que o dizemos. É a Constituição que o determina no artigo 18.º, quando confere força jurídica aos direitos, liberdades e garantias, e é a jurisprudência constitucional que reiteradamente o afirma.
É perfeitamente legítimo que alguém defenda a opinião política de que quem já exerceu um cargo autárquico ao longo de doze anos seja impedido de se recandidatar seja onde for. É uma posição que tem legitimidade política, mas não tem fundamento jurídico-constitucional. Se a lei e a Constituição não o proíbem, não podem ser os fazedores de opinião a fazê-lo.
Não se diga que a interpretação segundo a qual quem tenha exercido três mandatos consecutivos como presidente de câmara ou de junta de freguesia fica proibido de se candidatar em qualquer outra autarquia corresponde ao espírito do legislador. Isso não corresponde à verdade. Quem se der ao trabalho de ler os debates em torno da lei em vigor não consegue extrair em lado algum essa conclusão, mas antes a contrária. Foi na verdade afirmado nesse debate, pelo então Deputado Abílio Fernandes, que a limitação de mandatos proposta não impedia a candidatura em concelhos ou freguesias diversas daquelas em que os três mandatos consecutivos tivessem sido exercidos. E ninguém sentiu a necessidade de o contradizer.
Senhora Presidente,
Senhores Deputados,
Juridicamente, não temos dúvidas que os cidadãos que completaram três mandatos consecutivos como presidentes de câmara ou de junta de freguesia não podem recandidatar-se nas autarquias onde exerceram funções, mas não estão legalmente impedidos de se candidatar em qualquer outra autarquia no território nacional. Mas não nos eximimos de exprimir a
nossa opinião política sobre essa questão, sem ceder a populismos ou a demagogias.
Será justo defender que um cidadão que exerceu três mandatos como presidente de uma câmara ou de uma junta de freguesia, com honestidade e competência, sem que tenha sido acusado de qualquer irregularidade, gozando da confiança e reconhecimento dos seus concidadãos, e que tendo obtido enorme experiência ao serviço das populações, seja impedido de se candidatar numa outra autarquia, submetendo a sua disponibilidade à vontade livre dos cidadãos? Não consideramos que seja justo.
Sejamos claros: ser autarca não é cadastro. Um cidadão não pode ser privado injustamente dos seus direitos políticos pelo facto de ter sido autarca durante doze anos, e a limitação de mandatos que está estabelecida na lei não pode ser entendida como uma punição necessária de quem presidiu a executivos autárquicos.
O PCP bate-se pelo rigor, pela honestidade e pela competência no exercício de cargos públicos, e defende a adoção de todas as medidas que previnam quaisquer fenómenos de abuso de poder, de corrupção ou de clientelismo no exercício dessas funções. Mas não se identifica com aqueles que procuram transmitir a ideia de que tais fenómenos decorrem inevitavelmente do exercício de funções autárquicas, como se não houvesse neste país milhares de cidadãos que, como autarcas, servem desinteressadamente a causa pública e que não merecem ser alvo de um permanente juízo de suspeição.

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