Nazis a dois passos do grande objectivo
A maior esperança dos hitlerianos, largamente subscrita por quase todos os
meios da democracia no capitalismo, residia na convicção dominante de que os
povos da região caucasiana, particularmente os da Geórgia, da Arménia, do
Azerbeijão, desejariam separar-se da URSS. Mas as organizações do Partido de
Lenine nessas repúblicas chamaram a si patrióticas tarefas de auxílio ao
Exército Vermelho e demonstraram possuir ideias diferentes em tudo.
Assim, destacamentos de tropas de montanha, de voluntários e de irregulares,
que conheciam todas as regiões bastante bem e todos os caminhos desenhados nas
labirínticas formações montanhosas, receberam os nazis de armas nas mãos
causando-lhe perdas inesperadas. A Directiva No.45 do OKW (Alto Comando da
‘Wehrmacht’) de 23 de Julho de 1942, estabelecia, claramente, que o Grupo ‘B’
do Grupo de Exércitos Sul, de que fazia parte o 6.º exército (von Paulus) então
posicionado nas cercanias do médio Dão, marcharia sobre as cidades de
Stalinegrado e de Astrakan consolidando-se, por fim, em toda a vasta região do
Volga e separando o Cáucaso da parte central da URSS. O apoio aéreo a esta
ambiciosa operação dos nazis viria do 4.º Exército dos Ares que dispunha de
1200 aviões de combate.
Do lado soviético, a então designada Frente de Stalinegrado compreendia 38
divisões mas, destas, só aquelas que pertenciam aos 63.º e 62.º exércitos, duas
do 64.º e uma de cada um dos 44.º e 1.º exércitos de tanques, estavam em
condições de ocupar posições defensivas essenciais na zona principal. O inimigo,
devido à tenaz e um tanto inesperada resistência encontrada na sua marcha para
Stalinegrado fora forçado, entretanto, a chamar o auxílio do 4.º exército
‘Panzer’ (Hoth) que operava no sector caucasiano ao mesmo tempo que também
dispunha em linha de combate as forças dos países satélites (romenos, húngaros,
italianos). A 26 de Julho, formações motorizadas e de tanques penetravam as
posições defensivas do 62.º exército soviético (Chuikov) e entravam na área de
Kamenski. Para confrontar estas unidades, o Comando Supremo soviético ordenou
que também entrasse em operações o 4.º exército de tanques (Kryuchenkin) que se
posicionava algures entre o Dão e o Volga. O Exército Vermelho, no entanto, não
conseguiria conter o avanço inimigo ainda que tivesse podido retardar a sua
progressão. Os nazis, portanto, estavam a dois passos da grande cidade que era
Stalinegrado e combatiam, já, em lugares onde a defesa organizada pelo grande
Chuikov parecia ceder, como veremos.
«Venha imediatamente a Moscovo. Deixe o seu chefe de Estado-Maior no
comando da Frente Ocidental e comece a pensar em alguém que o substitua». Foram
estas as palavras de Staline quando, a 27 de Agosto de 1942, telefonou, um
tanto apreensivo, para o posto de comando em Pogoreloye Gorodishche onde Jukov
se encontrava. Este, partiu logo sem mesmo passar pelo quartel-general da
Frente, mas só chegaria a Moscovo ao princípio da noite. No Kremlin encontrou
Staline a presidir a uma reunião da ‘Stavka’ e compreendeu, logo, que teriam de
ser graves os motivos da sua convocação para tomar parte naquele encontro. Foi
quando o Comandante Supremo anunciou que as operações militares estavam a
correr mal no Sul do país e que os alemães já estavam, de facto, a dois passos
de Stalinegrado. A situação no Norte do Cáucaso não era melhor, disse, ainda, o
dirigente principal de toda a URSS, acrescentando que a ‘Stavka’ acabava de
decidir nomear Giorgi K. Jukov para a posição de segundo comandante supremo e
enviá-lo para Stalinegrado onde já se encontravam aqueles que o secundariam,
Vasilievski, Malenkov e Malyshev. «Malenkov pode ficar lá consigo, mas
Vasilievski deve regressar a Moscovo logo que possível. Quando pode partir?» A
ansiedade do sucessor de Lenine como secretário-geral do PC da URSS era
evidente.
Naqueles dias, as palavras de Staline eram sempre escutadas tal como por
ele pronunciadas, num enquadramento, sem dúvida, muito difícil. Jukov salientou
que necessitava de 24 horas para preparar-se e estudar a situação. Poderia voar
para Stalinegrado, a 29. «Óptimo!» disse Staline que, entretanto, perguntou:
«Não tem fome?» E sugeriu: «Fique connosco para tomar chá e comer alguma
coisa». Obviamente, o comandante supremo queria dizer-lhe mais sobre a situação
autêntica nas regiões do Dão e do Volga. «Pareceu-me claro», escreveria Jukov
mais tarde, «que estava na forja uma batalha de extrema importância política e
militar. De posse de Stalinegrado, o inimigo separaria do centro o Sul do país.
Perderíamos o Volga, a mais importante via de comunicações internas fluviais,
aquela que nos assegurava, como vinha acontecendo desde tempos quase
imemoriais, o transporte de mercadorias, de coisas de todas as espécies, de
pessoas e de animais, e nos dava a ligação ao Cáucaso».
Staline, então, entrou em pormenores, esclarecendo: «Tendo em conta a séria
situação que se criou em Stalinegrado, ordenámos a transferência do 1.º
exército de Guardas (Moskalenko) para a zona de Loznoye a fim de que este, a 2
de Setembro, se junte a outras unidades da Frente de Stalinegrado num
contra-ataque visando as forças inimigas que entraram na região do Volga, e se
junte ao 62.º exército (Chuikov). Também o 66.º exército (Malinovski) e o 24.º
(Kozlov) vão ser transferidos para a Frente de Stalinegrado. O camarada Jukov
terá de conseguir que Moskalenko esteja em condições de contra-atacar, a 2 de
Setembro, para que o aparecimento no teatro de guerra dos 24.º e 66.º exércitos
se realize com a devida cobertura. Esses dois exércitos devem entrar em acção
sem qualquer demora. De outro modo, perderemos Stalinegrado».
Defender o canal Volga-Moscovo
Sem qualquer dúvida, o Comando Supremo da ‘Stavka’ estava a mandar para a
capital do Volga tudo o que possuía como tropas de reserva. Só não tocou
naquelas formações estratégicas que ainda estavam a ser constituídas para operações
futuras. O esforço de guerra começava a realizar-se em condições mais fluidas e
a produção de material bélico (aviões, tanques, canhões, munições) e de todo o
equipamento que o Exército Vermelho requeria estava a conseguir-se com muito
mais rapidez do que nos primeiros meses do conflito. Custasse o que custasse, a
região do Volga e, especialmente, o canal Volga-Moscovo, acabado de construir
em 1936, tinham de ser defendidos.
Por seu lado, a cidade de Stalinegrado, erguendo-se ao mundo em plena margem
direita do grande rio, estava (e está) a menos de 400 quilómetros do Mar
Cáspio. O Volga, ainda que dividido em dois braços é um verdadeiro e grandioso
canal marítimo e na parte do seu curso em que banha Stalinegrado (ontem,
Tsaritsyne, hoje, Volgogrado) aproxima-se até 64 quilómetros do Dão. Esta
situação está na origem do desenvolvimento estratégico, comercial e industrial
da região. O Volga e os seus afluentes desempenharam, ao longo de toda a
história da Rússia, um papel de elo de ligação entre múltiplas áreas, regiões,
nações que viviam separadas umas das outras por intermináveis florestas. Mas a
obra gigantesca de modernização terminada pelo governo soviético, como se
disse, em 1936, ligando o rio a bacias de rios tributários, ao lago Onega, ao
golfo da Finlândia, ao próprio Dniepre, e a construção das barragens de Rybinsk
e de Ivankovo, deram a Moscovo a ligação por via fluvial com o Mar Báltico e
com o Mar Branco. Não vale a pena elaborar quanto à importância económica,
política e militar da região do Volga e da cidade de Stalinegrado quando, em
Setembro de 1942, o poderio da ‘Wehrmacht’ lhes batia às portas. Essa
importância era transcendente.
Por razões de organização, o 1.º exército de Guardas só entraria em acção a
3 e não a 2 de Setembro, como Staline exigira. Entretanto, os 24.º e 66.º
exércitos de infantaria contra-atacariam nos dias 5 e 6. Nesse dia 3, em
telegrama para Jukov, o ‘leader’ soviético afirmava: «A situação em
Stalinegrado piorou. O inimigo está a três quilómetros da cidade que, possivelmente,
cairá ainda hoje ou amanhã, a não ser que surja auxílio do nosso grupo de
tropas situado a Norte. Para ajudar o povo e as tropas de Stalinegrado, exija
aos comandantes de exércitos desse sector que façam alguma coisa. Qualquer
demora é um crime. Mande toda a aviação disponível para Stalinegrado. Não têm
lá um único avião». Horas depois, num telefonema, Staline perguntava: «O
camarada imagina que o inimigo está à espera de que estejamos bem organizados?
O general Yeremenko diz-me que, num simples movimento, os nazis entrarão na
cidade, a menos que os ataquemos, imediatamente, do sector Norte». Jukov não se
impressionou. Tudo lhe dizia que nada aconteceria porque o inimigo, no fim de
contas, também precisava de tempo para organizar-se e que Staline estava a usar
de pressão desnecessária mas que, no fim de contas, lhe cumpria fazê-lo.
O ataque do Exército Vermelho, assim, iniciou-se a 5 de Setembro com uma
onda de ‘katyuchas’, o mais adequado e decisivo fogo de preparação. Mas a
aviação inimiga já começava a bombardear as posições dos defensores de
Stalinegrado. O reconhecimento aéreo informava que estava em movimento um forte
grupo inimigo de divisões de tanques, com artilharia e outras tropas
motorizadas. Este grupo entraria em combate, imediatamente, nessa tarde de 5 de
Setembro. Jukov respondeu a novo telefonema do Comandante Supremo com estas
palavras: «O nosso avanço, camarada Staline, é insignificante. A verdade é que
não tivemos tempo suficiente para preparar esta ofensiva». Staline insistiu em
que era absolutamente essencial desviar o ataque alemão para outros sectores de
operações e, assim, aliviar um pouco Stalinegrado.
A 10 de Setembro, após cinco dias de combates, Jukov estava em condições de
informar o Kremlin nestes termos: «As linhas defensivas alemãs foram
consideravelmente fortalecidas com reforços vindos de outros sectores. Não vejo
vantagem na realização de novos ataques com as forças que temos, presentemente.
As nossas tropas sofreriam perdas desnecessárias. Carecemos de forças adicionais
e de tempo para realizar o reagrupamento imprescindível e para que possamos
organizar um ataque possante por parte da Frente Oriental-Sul. Os exércitos de
que dispomos não possuem a capacidade indispensável para que o inimigo possa
ser derrotado». Staline, nestes termos, chamou Jukov ao Kremlin, de novo, para
que a precária situação que estava a viver-se em Stalinegrado fosse revista,
mas sugerindo que o fizesse imediatamente.
O petróleo de Grosny
Após um voo de quatro horas, o sub-comandante supremo apresentava-se diante
de Staline, uma vez mais, forte dos conhecimentos adquiridos no próprio terreno
onde uma imensa batalha seria travada. «O que eles querem é levar-nos o
petróleo de Grosny», disse, logo, o presidente do Conselho dos Comissários do Povo
da URSS. Grosni era um centro petrolífero de primeira ordem, na República
Socialista Soviética da Rússia, em pleno Cáucaso, perto da fronteira com a
República autónoma do Dagestão. Possuía diversas refinarias e o indispensável
produto, que já alguns designavam como ‘oiro negro’, circulava por ‘pipe-lines’
para Tbilissi e Setavropol. Estimava-se, nessa altura, que as reservas
existentes nos jazigos de Grosni andariam à volta de 400 mil toneladas.
Também presente, Vasilievsky, o chefe do Estado-Maior do Exército Vermelho,
falou dos mais recentes movimentos de tropas nazis apontando a importância de
um novo grupo que se deslocava de Kotelnikovo para Stalinegrado. Combatia-se em
Novorossisk e, como é evidente, em Grosni. Jukov, então, esclareceu: «Temos
poucos reforços. Neste momento, não dispomos de artilharia pesada nem de
tanques em número suficiente para o necessário apoio directo à infantaria. O
terreno não se mostra favorável ao desenvolvimento de operações ofensivas. O
inimigo pode proteger-se, facilmente, das nossas investidas. Domina as
montanhas, realiza observação precisa quanto aos nossos movimentos, usa
artilharia, dirige o fogo em todas as direcções».
Staline começou a examinar os mapas que lhe indicavam quais as forças de
reserva que lhe seria possível, eventualmente, mobilizar para a luta final na
defesa de Stalinegrado. Jukov tinha dito com toda a clareza que precisava de um
exército de infantaria com efectivos completos, um corpo de exército de tanques
mais quatro brigadas de carros de assalto e, pelo menos, 400 peças de
artilharia de longo alcance. Mas enquanto o Comandante Supremo virava e
revirava os mapas sobre a mesa, Jukov e Vasilievski falavam, em voz baixa de
uma outra eventual solução. Tinham, de facto, esboçado um plano alternativo que
poderia responder à necessidade gritante de defender o Cáucaso e Stalinegrado.
«Qual?» perguntou Staline. Decidiram voltar a reunir no dia seguinte. O
Comandante Supremo ia estudar, mais aprofundadamente, os seus mapas de forças
de reserva. Jukov e Vasilievski demandariam o Estado-Maior, que não estava
longe da Praça Vermelha, para melhor delinearem o plano que excitara a
curiosidade do revolucionário de Outubro e sucessor de Lenine, o grande
Staline. Mas a situação era dramática, pelo menos.
Ataque alemão à zona industrial
A 13 de Setembro, os nazis lançavam um intratável e poderoso ataque a
Stalinegrado. Os objectivos imediatos eram a estação de caminhos-de-ferro
(Sadovaya) e a zona de Mamayev Kurgan. A pressão do ataque aumentava hora a
hora. Num pequeno sector o inimigo avançava com nada menos de seis divisões de
infantaria dispondo de considerável apoio de tanques e aviação. Combatia-se nas
ruas. Ao cair da tarde no dia 14, os nazis ocupavam, finalmente, a gare
ferroviária e surgiam na margem direita do Volga em Kuporosnoye. O 62.º
exército (Chuikov) viu-se separado do 64.º (Chumilov). As baixas confirmadas
tornavam-se assustadoras. Os dois referidos exércitos já tinham sofrido,
pesadamente, em confrontos anteriores, ao longo dos últimos meses. Mas a 13.ª
divisão de Guardas (Rodimtsiev) desembarcava na zona da estação fluvial central
e conseguia, pelo menos, expulsar o inimigo do centro da cidade. A «Wehrmacht»,
entretanto, reforçava os seus efectivos de combate com mais meio milhão de
soldados e mais de quinhentos tanques. Continuava de posse da estação de
caminhos-de-ferro que, até 27 de Setembro mudara de mãos 13 vezes. Forças
soviéticas operando nas zonas centrais de Stalinegrado, recapturavam Mamayev
Kurgan. Havia combates furiosos nas principais ruas e praças da cidade. Estava
a viver-se horas do destino.
A luta estendeu-se à zona residencial da fábrica ‘Krasny Oktyabr’ (Outubro
Vermelho) e à das fábricas ‘Barrikady’ por toda a segunda quinzena de Setembro.
A 4 de Outubro combatia-se, homem a homem, no interior e sobre as ruínas
daquelas unidades industriais. O inimigo, ébrio no seu convencimento da
vitória, pretendia dar um golpe final na emblemática cidade de Stalinegrado.
Mas a resistência das forças do Exército Vermelho, sendo desesperada, mantinha-se
firme. Na manhã de 14, as divisões nazis atacavam em ondas sucessivas, com
apoio aéreo. O seu grupo principal, numa iniciativa de intensidade nunca ali
vista, avançou para a fábrica de tractores onde os soviéticos reparavam tanques
e outras máquinas de guerra. A fábrica era defendida pelo general Chuikov (62.º
exército), o herói que chegaria a Berlim, como vencedor, em 1945 e escreveria
‘O Princípio da Estrada’ de cujas páginas consta tudo o que se passou na
capital do Volga em 1942 e em 1943. Mas a 15 desse dramático mês de Outubro de
1942 os nazis ainda conseguiam prevalecer. Ocupavam a fábrica e procuravam
destruir, completamente, o próprio exército de Chuikov cujos efectivos já não
iam além de umas poucas dúzias de homens em algumas das suas divisões.
Entretanto, os reforços, tão desesperadamente requeridos e tão absolutamente
necessários, começavam a chegar. A 138.ª divisão de infantaria, comandada pelo
coronel Lyudnikov, surgia da outra margem do Volga lançando-se, imediatamente,
na luta em auxílio de Chuikov..
Continua
Manoel de Lencastre
Manoel de Lencastre
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